OPINIÃO - MERITOCRACIA

23/02/2014 14:30

Oferecer algumas razões para mostrar porquê a meritocracia é um fundamento perverso de organização social.

a) propõe construir uma ordem social baseada nas diferenças de predicados pessoais (habilidade, conhecimento, competência, etc.) e não em valores sociais universais (direito à vida, justiça, liberdade, solidariedade, etc.). 

b) exacerba o individualismo e a intolerância social, supervalorizando o sucesso e estigmatizando o fracasso.

c) esvazia o espaço público, o espaço de construção social das ordens coletivas, e tende a desprezar a atividade política, transformando-a em uma espécie de excrescência disfuncional da sociedade, uma atividade sem legitimidade para a criação destas ordens coletivas. 

d) esconde uma perversa “ética do desempenho”. O José, aquele menino nota 10 na escola que mora embaixo de uma ponte (tema de reportagem da ZH) merece ser médico, sua sonhada profissão, mas provavelmente não o será, pois não terá condições para isto. Desta forma, no mundo da meritocracia – que mais deveria se chamar “desempenhocracia” - se confunde merecimento com desempenho.

e) escamoteia as reais operações de poder. Como avaliação e desempenho são cruciais na meritocracia, tanto os indicadores de avaliação como os meios que levam a bons desempenhos são moldados por relações de poder. Nada mais ilusório e perigoso, pois a pior política é aquela que despolitiza, e o pior poder, o mais difícil de enfrentar e de combater, é aquele que nega a si mesmo, que se oculta para não ser visto.

e) é a única ideologia que institui a desigualdade social com fundamentos “racionais”, e legitima pela razão toda forma de dominação. É como se dominados e dominadores concordassem racionalmente sobre os termos da dominação.

f) substitui a racionalidade baseada nos valores, nos fins, pela racionalidade instrumental, baseada na adequação dos meios aos resultados esperados. Para a meritocracia só vale a pena ser o Paulo Coelho e fazer uma literatura calibrada para vender. 

g) A meritocracia dilui toda a subjetividade e complexidade humana na ilusória e reducionista objetividade dos resultados e do desempenho. Para ela, cada um de nós é apenas um ponto em uma escala de valor, e a posição e o valor que cada um ocupa nesta escala depende de processos objetivos de avaliação.

Souza encerra afirmando que a meritocracia é um dos fundamentos de ordenamento social mais reacionários que existe, com potencial para produzir verdadeiros abismos sociais e humanos.  

Professor: Leodemir José Espíndola -  Lages SC